É possível gostar de animais e não ser vegano?

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Pelo contexto em que crescemos e ainda vivemos, sim, é possível. Mas é nossa convicção que quem realmente gosta de animais e tem acesso a informação acaba por, mais cedo ou mais tarde, aderir ao veganismo. E quando o faz mais tarde, arrepende-se de não o ter feito mais cedo.

A grande maioria de nós foi educada a comer carne e outros produtos resultantes da exploração dos animais, é algo que faz parte da nossa cultura e do nosso quotidiano desde que nascemos, e, como tal, raramente é questionado. A brutalidade acontece entre quatro paredes, em matadouros longe da vista, e nem nos lembramos dela quando estamos a preparar um bife ou a comer uma coxa de frango.

Mas a certa altura um amigo ou familiar torna-se vegano, ou lemos um artigo numa revista, ou vemos um documentário e ficamos a saber que há milhões de pessoas no mundo que se recusam a consumir os produtos da exploração dos animais. A nossa primeira reação é defensiva, como é natural. Buscamos argumentos para nos tranquilizarmos de que não estamos a fazer nada de errado. “Se fazemos isto há tanto tempo, se quase toda a gente o faz, não pode ser assim tão mau. É natural. Outros animais também o fazem. Precisamos da proteína. Matar para comer é diferente de matar por divertimento, como numa tourada. E o importante é que tenham sido bem tratados e abatidos de forma ética.

Muitas pessoas ficam por aí; agarram-se a esses argumentos e recusam-se a pensar mais sobre o assunto, e é por isso que se irritam tanto quando algum vegano o menciona. Mas uma pessoa racional sabe que não pode agarrar-se a argumentos intuitivos sem os analisar para ver se são válidos, e quando começa a analisá-los percebe que nem tudo o que é natural é ético e que comer produtos de origem animal é nutricionalmente desnecessário. Vê e lê sites, documentários e reportagens e percebe como o abuso e maus-tratos aos animais nas indústrias que os exploram não são apenas episódios isolados, mas práticas reiteradas e em muitos casos sancionadas pela própria legislação. E a verdade é que, mesmo que os animais fossem bem tratados, não há uma forma ética de matar alguém que não quer morrer.

Informação e reflexão levam inevitavelmente essa pessoa racional a concluir que o consumo de animais se sustenta exclusivamente em dois pilares: tradição (fazemos isto há tanto tempo, toda a gente o faz) e prazer (de comer esses produtos) - os mesmos que são usados para defender práticas como a tauromaquia. Práticas a que essa pessoa se opõe, porque não acha que tradição e prazer sejam razões aceitáveis para fazer sofrer os animais. E agora?

Quando todos os argumentos caem, e já sabemos da imensa dor que está por trás de um bife ou de um ovo ou de um copo de leite, e percebemos que não há qualquer diferença moral entre fazer sofrer ou matar um cão ou um touro ou uma galinha, temos de ouvir a nossa consciência e deixar de consumir esses produtos. Se não o fizermos, continuaremos - mas agora de forma consciente - a apoiar e a patrocinar com o nosso dinheiro a violência contra animais apenas por tradição e prazer, quando há tantos outros alimentos disponíveis.

Praticamente todos os veganos passaram por essa fase. Quase todos cresceram a comer carne e outros produtos de origem animal e quase todos tentaram racionalizar esse comportamento quando inicialmente confrontados com o facto de que existe uma alternativa. Mas a certa altura deixa de ser possível virar a cara, e temos de fazer o que sabemos ser certo.

É fácil? Em termos práticos, sim! Em termos sociais nem tanto. Mas a boa notícia é que já foi bem mais difícil. E cada pessoa que passa a ser vegana torna o caminho mais fácil para todas as que virão depois :)

[Foto das cadelas Caju e Goji e do cordeiro Zacarias, na Quinta das Águias]

Caju, Zacarias e Goji. Foto cedida pela Quinta das Águias.